terça-feira, 20 de julho de 2010

DESAGOSTO

trago um desgosto em mim desde menino
um não sei quê de angústia
talvez porque foi quase sempre meu destino
morar nas amuradas do mar

brinquei na areia
saltei das rochas
fui enrolado pelas ondas
e quantas vezes dei á costa na ilha dos tesouros

hoje sei
quando abro esse baú da infância
quantos tesouros lá deixei:
as gritarias, os pontapés na bola, os bichos-da-seda

hoje sei
aquela amargura que trago
só pode ser
da recusa de crescer
e persistir brincar ainda na praia vazia da minha meninice.






só quem viveu muito
pôde morrer tantas vezes e sobreviver
fuzilado pelos olhos de quem nos amou e partiu
e só volta de vez em quando no prodigío breve
dos lençóis de neblina dos sonhos

há sempre alguém que nos comove a cada esquina da vida
e dessa beleza sentida
só por ela valeu bem a pena nascer da dor
em amor convertida

(sugestionado pelas fotos e versos do T. da Luz)

sábado, 17 de julho de 2010

preia-mar

no bulício duma praia maré-cheia de verão
onde ondas de meninos se atiram á água
e as meninas tecem caracóis e intrigas
há um menino de risca ao lado
que não sorri
e risca riscos ariscos à solidão
nuns gritos estridentes de gaivota sem asas

(e o meu filho joão não me deixa terminar o poema)
PATHEOS

serás poeta sem querer
se um dia te deixares estar sem esperares nada nem ninguém
no desejo insensato de esquecer o mundo
tecendo rendas de bilros de silêncios
bordando novas palavras para sentimentos ocultos
num pateo sombrio de desilusões

de tudo sorrirás
dos tecidos das vaidades que debotaram
dos vestidos das meninas debutantes do clube farense
das promessas de amor eterno que duraram um beijo

pouco a pouco
todas as lágrimas serão estalactites dum tempo desaparecido
todas as ansiedades não mais que ondas moribundas nas costas do passado
e tu, converte-ás em triste testemunha de ti próprio e da tua circunstância breve
face a face à estátua magnífica do futuro

sexta-feira, 16 de julho de 2010

sinto falta de abraços longos e apertados
de camaradas novos que me prometam mundos
e não fundos

não quero viver agora
mas depois de amanhã
quando um homem de bolsos vazios
valer mais que um de bolsos cheios

quero morrer por ti
por uma causa justa
e quem viveu assim
não existiu em vão.
sou um indisciplinado por natureza
nunca serei ninguém de jeito e não me importa
porque a vida é sempre muito maior
e é tolice pensarmos ser grandes
- nem o peixe-imperador, coitado, acaba sempre de olhos esbugalhados no grelhador

se me levanto a meio da noite
e deixo a mulher que amo só abraçada ao travesseiro
não é para provar a minha existência,
garantir a minha salvação ou pior, a eternidade

não

o que procuro, viajante por veredas solitárias
enquanto quase todos dormem tranquilos
é essa essência
ascese poética
porque não encontrou ermida sua para se acolher.

quem me dera ser analfabeto como meu primo aniceto
não deixar entrar tantos fantasmas no meu pobre intelecto
pernoitar ao relento por montes e vales
e como uma serpente amar sem pecado
ter sempre aquela alegria de menino
trincar romãs e figos nas pernadas das árvores
fazer figas à morte e ao destino
atirar longe todas as amarguras
na fisga que um dia perdi
quando lavei a minha cara suja
para a missa que nunca quis.