quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Vida,
que coisa mais esquisita
a norma no universo é não ser
porque haveríamos de ser a excepção?

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Nota: como sempre a minha escrita é caótica, inclassificável, incorrigível. E pior é que estou-me nas tintas para ordená-la no ordinateur - é computa por natureza.
PROMESSA AMAR

tenho um amor incontido por ti
e não te posso tocar
uma chama secreta
um sonho íntimo

queria tanto contar os teus cabelos
nas noites de insónia sem ondas nem luar
venerar-te naquela capela visigótica
que dizem ser da Senhora da Rocha
proa calcária e vela sobre o mar

um dia ao entardecer
no túmulo dos nossos desejos
hei-de pegar-te pela mão
e casar este corpo católico cristão
com o teu muçulmano
no desespero amável dos deuses.
aguardo noite fora
que me digas alguma coisa
alguma coisa de insensato
para eu fazer alguma coisa por ti
como abrir a minha combinação
sem estar nada combinado
ao acto adiado tanto tempo
na censura moral desse título de propriedade
que se titula casamento
e proíbe todo e qualquer adereço
a mínima lingerie
a uma mulher dita decente

mas hoje eu vou ser a puta mais reles de deus
vou esfregar-me no teu pénis preto
deixá-lo entrar em todos os meus templos proibidos
escancarar todas as minhas portas fechadas
ganir como cadela ciosa de cio
morder teu pescoço leonina
verter meu fel
minha raiva uterina
no derrame cerebral do teu leite

porque hoje vou ser
duma vez por todas
MULHER

e deixar na esquina a puta biodegradável que fui.
beijar-te e morrer
e dizer-te
que o teu amor
foi o melhor
que me aconteceu

eu que viera do lixo
do bafo alcoólico de minha mãe
filho da rua, da cola e de ninguém

eu que não brinquei
mas vi outros brincarem
e fugia deles como um rato

eu que não tinha roupa decente
para ir à escola
como toda a gente

beijar-te e morrer agora
dum tiro policial e certeiro
foi o melhor que me aconteceu
em toda a minha vida de prisioneiro
nas avenidas onde se vende sexo
e o amor fica guardado para quem não tem dinheiro
perco todos os navios
e sou perito em nostalgias de fibra
deixo enferrujar todos os bídons vazios
e só ando em ruas sem ninguém
abraço estátuas desgostosas e solitárias
e dou grandes passeios aos domingos
pondo flores nas campas mais abandonadas

não tenho idoneidade sequer para testemunhar que vivo
até acredito piamente que não existo
mas pelo andar tão palhaço solitário e triste
há-de pelo menos ficar na pintura do meu velho carro para abate
um verso feito risco
à Paula Raposo

excepcionalmente, porquanto não é aqui saleta para agradecimentos, o envio do seu livro que logo li e tardiamente agora agradeço pública e sentidamente
ainda guardo o lenço de sangue virgem de ti:
hei-de levá-lo no vento do meu último sôpro sobre a terra;
e ninguém naquele cemitério de gente indiferente,
saberá quanto se pode amar tanto a ausência
e passar melhor na passadeira do passado,
que na sombra em fuga do presente.
em homenagem sentida ao menino vítima de incêndio

Quero morrer por ti
pela vida que não tiveste
pela promessa sagrada
que não se cumpriu
quero morrer por ti
porque me apetece morrer por amor
e não confessá-lo a ninguém
mas anunciá-lo no meu querido céu ateu.

(em boa verdade devia guardar estes sentimentos para mim - mas poesia obriga)

Esta coisa séria da escrita e da vida que não se leva a sério como convém. Acabei de saber duma criança consumida pelo fogo num palheiro e pedi responsabilidades a esse deuzinho tão bondoso e interveniente: informaram-me, em nota oficiosa do arcebispado de braga, onde me encontro de férias precárias, que a negligência é humana e deus não o é pela sua própria natureza - além de que tem imunidade diplomática e estatuto internacional de inimputabilidade. Assim, recolhi aos meus aposentos, no mais pesaroso silêncio dos deuses. Caíam cinzas no écran do meu portátil, lavravam incêndios de dor por toda a parte e dei por mim numa prece breve de revolta, que só os ateus sabem rezar pelos outros.