sexta-feira, 28 de maio de 2010

DIÁRIO D'AMANHÃ

Iniciei este blog, prenunciei, com uma visita imprevista ao Júlio de Matos, amigo de longa data que só conhecia de vista. Mentira: fui lá uma vez assistir a um espectáculo no jardim e a uma exposição de objectos ou artefactos eróticos.
Hoje, passados anos (na minha vida é assim - sou mamute), deparei-me com uma outra exposição, desta vez, aparentemente mais radical: auto-intitulam-se de artistas explosivos e ocuparam, com a devida licença, um bloco degradado. O mais surpreendente é ter dado com um génio, de nome Aliocha, parisiense de origem russa, e outras, desvalorizando essa ascendência, como de cristão-novo se tratasse, ao depara-me com rostos absolutamente magníficos, porque dolorosos, dum tal J.C., presumo. Tive pudor em fazer-lhe uma oferta e ofereci-lhe o meu livro AVRYL, em sinal de admiração - pois detesto oferecer ou pior, vender livros. Escrevo para que me leiam, não para me oferecer ou vender - assim, seria melhor não escrever, pois de putas está o paraíso cheio.
Mas quero é dar conta do meu sentimento de solidão naqueles jardins e edifícios concentracionários ao fim da tarde, sem ninguém. E eu só no meu cigarro a deambular como um passado dos cornos, que até faço por isso. Passei por uns contentores com cheiro a mijo de fraldas de bébé e pacotes de leite cheios, presumo fora de prazo. Apeteceu-me ser árvore, testemunha imóvel de solidões, fazer tudo para que me internassem num daqueles apartamentos com varandas rosa sobre os relvados e as ruas interiores desertas. Encontrei muitas portas fechadas, bati em todas elas e elas riram-se a bandeiras despregadas. Sei que ninguém me cura das mágoas que facilmente adquiro dos outros a cada esquina. Não posso ver ninguém mal - é uma merda, estou sempre a cair. Qualquer fico sem joelhos e tenho de usar próteses: decerto não terão a minha medida e ficarei debaixo do imbomdeiro (escreve-se assim?) daquela menina amputada de sorriso tranquilo e triste que recebeu serena a Lady Di em Angola.
Mais tarde no colorido do Mcdonalds, presenciei uma senhora de negro a falar sozinha e a barafustar com o peso dos sacos - mas era da vida. Desta vida urbana, mas pouco, que ninguém liga a ninguém - a não ser se for uma gaja boa. Aí temos lutos orgásticos e o seu cu fica virtualmente talhado às fatias. Ainda esta tarde vira um tipo-cadáver a vender pela avenida de Roma fora, nêsperas doces para o seu consumo ácido.
Avante Capitalismo de Massas e seus empreendedores: vocês são os maiores. Mas lembrem-se que têm os dias contados. Podem dizer-me em quanto ficou o índice Dow-Jones da felicidade? por mim tive mais um dia livre...menos destas amarguras. Não estranharei o Inferno que me derem. Vai uma imperial bem tirada, n'est pas?

nota importante: no "atelier" do Aliocha era local de morte de pacientes impacientes

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